DOENÇAS FALCIFORMES
Não há tratamento específico das doenças falciformes. Assim, medidas
gerais e preventivas no sentido de minorar as conseqüências da anemia crônica,
crises de falcização e susceptibilidade à s infecções s ã o fundamentais na
terapêutica destes pacientes. Estas medidas incluem boa nutrição; profilaxia,
diagnóstico e terapêutica precoce de infecções; manutenção de boa hidratação
e evitar condições climáticas adversas . Além disso , acompanhamento
ambulatorial 2 a 4 vezes ao ano e educação da família e paciente sobre a doença
são auxiliares na obtenção de bem-estar social e mental. Assim, o paciente deve
identificar o médico e centro de atendimento onde será feito o acompanhamento
da doença e visitas a mútiplos centros devem ser desencorajadas.
Os avanços na prevenção de infecções e crises de falcização têm
proporcionado uma maior sobrevida aos pacientes, de modo que, a longo prazo,
a manutenção da boa qualidade de vida é essencial para os indivíduos com
doenças falciformes e deve ser objetivo dos profissionais que tratam destes
pacientes.
É importante também orientar pacientes e mães da necessidade de
procurar tratamento médico sempre que ocorrer febre persistente acima de
38,3ºC; dor torácica e dispnéia; dor abdominal, náuseas e vômito; cefaléia
persistente, letargia ou alteração de comportamento; aumento súbito do volume
do baço; priapismo.
Exames de rotina como, urina I, protoparasitológico, R-X de tórax,
eletrocardiograma e se possível ecocardiograma , creatinina e clearance ,
eletrólitos, ultra-som de abdome, proteinúria, provas de função hepática e visita
ao oftalmologista com pesquisa de retinopatia devem ser realizados anualmente
e repetidos sempre que necessário. Hemograma deve ser realizado pelo menos
duas vezes ao ano, pois redução nos níveis basais de hemoglobina podem indicar
insuficiência renal crônica ou crise aplástica
Hidratação
Desidratação e hemoconcentração precipitam crises vasooclusivas. Por
outro lado, indivíduos com doença falciforme são particularmente susceptíveis
à desidratação devido à incapacidade de concentrar a urina com conseqüente
perda excessiva de água. Assim, a manutenção de boa hidratação é importante,
principalmente durante episódios febris, calor excessivo, ou situações que cursem
com diminuição do apetite. Para indivíduos adultos, recomenda-se a ingestão
de pelo menos 2 litros de líquido por dia, na forma de água, chá, sucos ou
refrigerantes, quantidade esta que deve ser aumentada prontamente nas situações
acima citadas (1,4,7,8).
Profilaxia contra infecções
1) Penicilina Profilática
Penicilina profilática previne 80% das septicemias por S. pneumoniae
(Pneumococo) em crianças com anemia falciforme até 3 anos de idade (2). O
impacto da profilaxia é enorme e deve ser iniciado aos 3 meses de idade para
todas as crianças com doenças falciformes (SS, SC, S ). A terapêutica deve
continuar até 5 anos de idade. Pode-se utilizar a forma oral (Penicilina V) ou
parenteral (Penicilina benzatina), na seguinte posologia:
a) Penicilina V
• 125mg VO (2 vezes ao dia) para crianças até 3 anos de idade ou 15kg
• 250mg VO (2 vezes ao dia) para crianças de 3 a 6anos de idade ou
com 15 a 25kg
• 500mg VO (2 vezes ao dia) para crianças com mais de 25 kg
b) Penicilina benzatina - administrar IM a cada 21 dias
• 300 000U para crianças até 10kg
• 600 000U para crianças de 10 a 25kg
• 1 200 000U para indivíduos com mais de 25kg.
Em casos de alergia à penicilina, administrar 20mg/kg de eritromicina
etilsuccinato via oral, 2 vezes ao dia.
2) Imunização
A imunização deve ser realizada como em qualquer outra criança, contra
agentes virais e bacterianos. Entretanto, particular ênfase deve ser dada à
vacinação contra Pneumococo, Haemophilus influenzae e Hepatite B . Desde
que septicemia por Pneumococo e H. influenzae tipo B são freqüentes na doença
falciforme , a imunização deve ser precoce . Entretanto , a vacina contra
Pneumococo atualmente no mercado não é imunogênica antes de dois anos de
idade. Já a vacina contra hepatite B pode ser realizada ao nascimento.
Assim, para estes agentes, recomenda-se o seguinte esquema de vacinação:
a) Hepatite B
Deve ser administrada em 3 doses de 1 ml (20µg/dose), ao nascimento,
1 mês e 6 meses de vida. Os reforços podem ser feitos a cada 5 anos após
término do esquema ou quando os títulos estiverem abaixo do nível de proteção.
A vacinação pode ser iniciada em qualquer idade, nos intervalos acima citados.
Em adultos, administrar apenas nos indivíduos com anticorpos negativos para
o vírus da hepatite B.
b) Haemophilus
A idade mínima para administração é de 2 meses.
- até 6 meses de idade: devem ser administradas 3 doses em intervalos
de 2 meses.
- 7 meses a 1ano de idade: administrar 2 doses com intervalos de 2
meses.
Em ambos os casos, o reforço deve ser administrado com 1ano e 3 meses
de idade
-a partir de 1 ano até 18 anos de idade: administrar em dose única.
c) Pneumococos
A idade mínima para administração é de 2 anos com reforço a cada 5
anos. Não realizar reforços em intervalos menores do que 5 anos pois os efeitos
adversos da vacina podem ser exacerbados.
Nutrição
Assim como outros pacientes com hemólise crônica, indivíduos com
doenças falciformes estão particularmente sujeitos à superposição de anemia
megaloblástica, principalmente quando a dieta é pobre em folato, durante a
gestação ou em períodos de crescimento rápido. Além disso, a carência de
folato pode estar relacionada a um maior risco de trombose e mal-formação de
tubo neural no primeiro bimestre da gestação. Assim, para prevenção da
deficiência de ácido fólico, recomenda-se a suplementação com 1a 2 mg de
folato ao dia (1,4,5,7,8).
Embora a deficiência de zinco possa ocorrer nesta doença, a suplementação
com zinco é assunto controvertido, mas pode auxiliar no tratamento das úlceras
de perna. A suplementação regular com ferro deve ser evitada, exceto na presença
de perda de sangue ou deficiência deste metal (7).
Educação e Higiene
Frio é um fator desencadeante de crises de falcização. Portanto, utilizar
roupas apropriadas , principalmente em dias de chuva e ànoite, são
recomendações importantes que devem ser reforçadas, junto com as demais
medidas, nos atendimentos ambulatoriais. A utilização de meias de algodão e
sapatos protege os tornozelos de possíveis traumas que podem cursar com úlceras
de perna de difícil cicatrização. É importante ressaltar que mesmo lesões
mínimas, como picadas de insetos, podem causar úlcera de perna (7).
Medidas de higiene e cuidado com a cavidade oral são fundamentais na
prevenção de complicações como recorrência de úlceras de perna e infecções
que podem precipitar crises vasooclusivas (6).
Crianças e adultos devem ser encorajados a exercer todas as atividades
normais e freqüentar escola e trabalho, participando de atividades físicas que
não levem à exaustão, dentro da capacidade individual. Os professores devem
estar cientes do problema e permitir a ingestão freqüente de líquidos e apoio
psicológico pode ser necessário em muitos casos (7,8).
Transfusão
Terapia transfusional deve ser evitada no tratamento rotineiro de pacientes
com doenças falciformes e está contra-indicada na anemia assintomática, crises
dolorosas não complicadas, infecções que não comprometam a sobrevida ou
instalação de necroses assépticas, porque está demonstrada a ausência de eficácia
(9,10).
Dentre os efeitos adversos das transfusões podemos citar a
hiperviscosidade, sobrecarga de volume, reações hemolíticas, reações febris nãohemolíticas, reações alérgicas, reações hemolíticas retardadas, sobrecarga de
ferro, hepatite B e C, HIV ou infecção por outros agentes.
Como qualquer outro paciente, indivíduos com anemia falciforme podem
requerer transfusão para repor o volume sangüíneo por hemorragia ou seqüestro
esplênico ou aumentar a capacidade de carrear oxigênio, como nas exacerbações
da anemia . Em condições crônicas com anemia compensada como na s
hemoglobinopatias, níveis de hemoglobina de 5g/dl são bem tolerados e podese indicar transfusão apenas quando há falência cardíaca, dispnéia e disfunção
do sistema nervoso central.
As transfusões devem ser realizadas com hemácias fenotipadas (para se
evitar aloimunização), e depletadas de leucócitos, na forma de hemácias ou
filtradas.
Especificamente para as doenças falciformes, as indicações de transfusão
incluem ainda a melhora nas propriedades reológicas do sangue, diminuindo a
proporção de hemácias com HbS. Vários estudos demonstram que quando a
proporção de células contendo HbS excede 30 a 40%, a resistência ao fluxo
aumenta abruptamente. Por outro lado, o aumento do hematócrito leva ao
aumento da viscosidade sangüínea. Assim, transfusões simples podem promover
o aumento da viscosidade e oclusão vascular, impedindo o aumento da liberação
do oxigênio para os tecidos. Portanto, em várias situações pode ser necessária
exsanguíneo transfusão automatizada ou manual.
1) Indicações Específicas de Transfusão
a) Acidente Vascular Cerebral
Complicações neurológicas ocorrem em até 25% dos pacientes com
anemia falciforme. A recorrência deste evento é freqüente e acontece em cerca
de 50% deste pacientes, geralmente nos primeiros 3 anos após o AVC.
Entretanto, transfusões crônicas reduzem em até 90% a recorrência destes
episódios trombóticos. Estudos angiográficos demostram que há recuperação e
melhora do fluxo vascular nos pacientes que desenvolvem AVC e são submetidos
a exsanguíneo transfusão. Na vigência do AVC, o paciente deve ser internado e
iniciada exsanguíneo transfusão a fim de manter o paciente isovolêmico, nível
de hemoglobina em torno de 10g/dl e HbS menor do que 30%. Na fase aguda,
recomenda-se troca de 75 a 100 ml de sangue/kg de peso. Deste modo, hemácias
estocadas por menos que 5 dias podem ser reconstituída em salina ou plasma
para hematócrito de 28 a 30%. Os níveis de Hb S, hematócrito, cálcio, fósforo,
sódio, potássio e magnésio devem ser monitorados após a transfusão.
Após a fase aguda, pode-se iniciar programa de transfusão crônica para
manutenção da HbS abaixo de 30%, evitando-se hiperviscosidade ou transfusões
acima do necessário. Uma possibilidade é a realização de transfusões simples a
cada 3 ou 4 semanas.
Após 5 anos de terapia transfusional, pacientes com persistente obstrução
ou estenose, detectada por angiografia ou ressonância magnética, devem
continuar em programa de transfusão. Pacientes que apresentam franca melhora
ou completa correção da vasculopatia, documentada por arteriografia, podem
ter o programa interrompido. Aqueles pacientes que durante o programa não
apresentaram deterioração clínica ou laboratorial podem ter o programa
modificado a fim de manter a HbS em torno de 50%.
b) Síndrome Torácica Aguda
Exsanguíneo transfusão ou transfusões simples podem ser utilizadas na
síndrome torácica aguda, resultando em dramática melhora do quadro.
c) Anemia
Anemia não é indicação de transfusão porque ocorre adaptação com
aumento do 2,3 difosfoglicerato, melhor afinidade da hemoglobina pelooxigênio, melhor liberação do oxigênio para os tecidos e aumento do rendimento
cardíaco. Assim, a maioria dos pacientes com anemia falciforme toleram bem a
anemia. Pacientes mais velhos, com doença cardíaca ou insuficiência respiratória,
necessitam às vezes de níveis de hemoglobina superiores a 8g/dl. Formalmente
não há indicação de transfusão em pacientes assintomáticos com níveis de Hb
maiores que 5g/dl.
d) Crises Aplásticas
Estas crises são comuns, transitórias e muitas vezes não requerem
transfusão. Há indicação de transfusão apenas quando há comprometimento
da função cardíaca ou níveis de Hb inferiores a 4g/dl com reticulocitopenia.
Neste caso deve-se proceder à infusão de 1ml de hemácias/kg/h acompanhado
de diuréticos para prevenir falência cardíaca . Pode - se utilizar t ambém
exsanguíneo transfusão a fim de evitar perturbações no volume sangüíneo em
pacientes clinicamente instáveis.
e) Crises de Seqüestro Esplênico
Neste caso pode-se utilizar sangue total ou hemácias reconstituídas com
salina ou plasma. Muitos pacientes requerem esplenectomia para prevenir crises
recorrentes.
f ) Priapismo
Outra indicação de exsanguíneo transfusão parcial ou transfusão simples
são episódios de priapismo. Se a estase é parcial, as transfusões melhoram o
fluxo e previnem a obstrução;
g) Septicemia
Transfusões podem ser indicadas para pacientes em condições instáveis
ou choque, durante episódios de septicemia, com o objetivo de elevar a Hb
para níveis superiores a 10g/dl e HbS<30%.
h) Gestação
O uso de transfusões no último trimestre da gestação, com o objetivo de
obter níveis de Hb em torno de 10g/dl e HbS<30% é controvertido. Importante
e s tudo r e c ent ement e publ i c ado sug e r e que t r ans fus õ e s pr o f i l á t i c a s s ã o
desnecessárias na anemia falciforme. Entretanto, estão indicadas em gestações
de alto risco, história prévia de mortalidade perinatal, toxemia, septicemia,
anemia grave, síndrome torácica aguda.
1) Cirurgia
Não há estudos controlados neste tópico, entretanto, parece prudente
transfundir pacientes com anemia falciforme antes de cirurgias ou anestesia, no sentido de manter a HbS próximo de 30% e níveis de Hb em torno de 10g/
dl. Em crianças pode-se iniciar as transfusões 6 semanas antes da cirurgia
repetindo-as com intervalos de 2 semanas. Não há dados referentes a cirurgia
em indivíduos com Hemoglobinopatia SC ou outras doenças falciformes não
anêmicas, mas deve-se evitar hiperviscosidade e uso de transfusões simples.
Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anvisa/diagnostico.pdf
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