quinta-feira, 7 de julho de 2011

MEDIDAS GERAIS PARA TRATAMENTO DAS DOENÇAS FALCIFORMES

MEDIDAS GERAIS PARA TRATAMENTO DAS
DOENÇAS FALCIFORMES

Não há tratamento específico das doenças falciformes. Assim, medidas
gerais e preventivas no sentido de minorar as conseqüências da anemia crônica,
crises de falcização e susceptibilidade à s infecções s ã o fundamentais na

terapêutica destes pacientes. Estas medidas incluem boa nutrição; profilaxia,

diagnóstico e terapêutica precoce de infecções; manutenção de boa hidratação

e evitar condições climáticas adversas . Além disso , acompanhamento

ambulatorial 2 a 4 vezes ao ano e educação da família e paciente sobre a doença

são auxiliares na obtenção de bem-estar social e mental. Assim, o paciente deve

identificar o médico e centro de atendimento onde será feito o acompanhamento

da doença e visitas a mútiplos centros devem ser desencorajadas.

Os avanços na prevenção de infecções e crises de falcização têm

proporcionado uma maior sobrevida aos pacientes, de modo que, a longo prazo,

a manutenção da boa qualidade de vida é essencial para os indivíduos com

doenças falciformes e deve ser objetivo dos profissionais que tratam destes

pacientes.

É importante também orientar pacientes e mães da necessidade de

procurar tratamento médico sempre que ocorrer febre persistente acima de

38,3ºC; dor torácica e dispnéia; dor abdominal, náuseas e vômito; cefaléia

persistente, letargia ou alteração de comportamento; aumento súbito do volume

do baço; priapismo.

Exames de rotina como, urina I, protoparasitológico, R-X de tórax,

eletrocardiograma e se possível ecocardiograma , creatinina e clearance ,

eletrólitos, ultra-som de abdome, proteinúria, provas de função hepática e visita

ao oftalmologista com pesquisa de retinopatia devem ser realizados anualmente

e repetidos sempre que necessário. Hemograma deve ser realizado pelo menos

duas vezes ao ano, pois redução nos níveis basais de hemoglobina podem indicar

insuficiência renal crônica ou crise aplástica

Hidratação

Desidratação e hemoconcentração precipitam crises vasooclusivas. Por

outro lado, indivíduos com doença falciforme são particularmente susceptíveis

à desidratação devido à incapacidade de concentrar a urina com conseqüente

perda excessiva de água. Assim, a manutenção de boa hidratação é importante,

principalmente durante episódios febris, calor excessivo, ou situações que cursem

com diminuição do apetite. Para indivíduos adultos, recomenda-se a ingestão

de pelo menos 2 litros de líquido por dia, na forma de água, chá, sucos ou

refrigerantes, quantidade esta que deve ser aumentada prontamente nas situações

acima citadas (1,4,7,8).

Profilaxia contra infecções

1) Penicilina Profilática

Penicilina profilática previne 80% das septicemias por S. pneumoniae

(Pneumococo) em crianças com anemia falciforme até 3 anos de idade (2). O

impacto da profilaxia é enorme e deve ser iniciado aos 3 meses de idade para

todas as crianças com doenças falciformes (SS, SC, S ). A terapêutica deve

continuar até 5 anos de idade. Pode-se utilizar a forma oral (Penicilina V) ou

parenteral (Penicilina benzatina), na seguinte posologia:

a) Penicilina V

• 125mg VO (2 vezes ao dia) para crianças até 3 anos de idade ou 15kg

• 250mg VO (2 vezes ao dia) para crianças de 3 a 6anos de idade ou

com 15 a 25kg

• 500mg VO (2 vezes ao dia) para crianças com mais de 25 kg

b) Penicilina benzatina - administrar IM a cada 21 dias

• 300 000U para crianças até 10kg

• 600 000U para crianças de 10 a 25kg

• 1 200 000U para indivíduos com mais de 25kg.

Em casos de alergia à penicilina, administrar 20mg/kg de eritromicina

etilsuccinato via oral, 2 vezes ao dia.

2) Imunização

A imunização deve ser realizada como em qualquer outra criança, contra

agentes virais e bacterianos. Entretanto, particular ênfase deve ser dada à

vacinação contra Pneumococo, Haemophilus influenzae e Hepatite B . Desde

que septicemia por Pneumococo e H. influenzae tipo B são freqüentes na doença

falciforme , a imunização deve ser precoce . Entretanto , a vacina contra

Pneumococo atualmente no mercado não é imunogênica antes de dois anos de

idade. Já a vacina contra hepatite B pode ser realizada ao nascimento.

Assim, para estes agentes, recomenda-se o seguinte esquema de vacinação:

a) Hepatite B

Deve ser administrada em 3 doses de 1 ml (20µg/dose), ao nascimento,

1 mês e 6 meses de vida. Os reforços podem ser feitos a cada 5 anos após

término do esquema ou quando os títulos estiverem abaixo do nível de proteção.

A vacinação pode ser iniciada em qualquer idade, nos intervalos acima citados.

Em adultos, administrar apenas nos indivíduos com anticorpos negativos para

o vírus da hepatite B.

b) Haemophilus

A idade mínima para administração é de 2 meses.

- até 6 meses de idade: devem ser administradas 3 doses em intervalos

de 2 meses.

- 7 meses a 1ano de idade: administrar 2 doses com intervalos de 2

meses.

Em ambos os casos, o reforço deve ser administrado com 1ano e 3 meses

de idade

-a partir de 1 ano até 18 anos de idade: administrar em dose única.

c) Pneumococos

A idade mínima para administração é de 2 anos com reforço a cada 5

anos. Não realizar reforços em intervalos menores do que 5 anos pois os efeitos

adversos da vacina podem ser exacerbados.

Nutrição

Assim como outros pacientes com hemólise crônica, indivíduos com

doenças falciformes estão particularmente sujeitos à superposição de anemia

megaloblástica, principalmente quando a dieta é pobre em folato, durante a

gestação ou em períodos de crescimento rápido. Além disso, a carência de

folato pode estar relacionada a um maior risco de trombose e mal-formação de

tubo neural no primeiro bimestre da gestação. Assim, para prevenção da

deficiência de ácido fólico, recomenda-se a suplementação com 1a 2 mg de

folato ao dia (1,4,5,7,8).

Embora a deficiência de zinco possa ocorrer nesta doença, a suplementação

com zinco é assunto controvertido, mas pode auxiliar no tratamento das úlceras

de perna. A suplementação regular com ferro deve ser evitada, exceto na presença

de perda de sangue ou deficiência deste metal (7).

Educação e Higiene

Frio é um fator desencadeante de crises de falcização. Portanto, utilizar

roupas apropriadas , principalmente em dias de chuva e ànoite, são

recomendações importantes que devem ser reforçadas, junto com as demais

medidas, nos atendimentos ambulatoriais. A utilização de meias de algodão e

sapatos protege os tornozelos de possíveis traumas que podem cursar com úlceras

de perna de difícil cicatrização. É importante ressaltar que mesmo lesões

mínimas, como picadas de insetos, podem causar úlcera de perna (7).

Medidas de higiene e cuidado com a cavidade oral são fundamentais na

prevenção de complicações como recorrência de úlceras de perna e infecções

que podem precipitar crises vasooclusivas (6).

Crianças e adultos devem ser encorajados a exercer todas as atividades

normais e freqüentar escola e trabalho, participando de atividades físicas que

não levem à exaustão, dentro da capacidade individual. Os professores devem

estar cientes do problema e permitir a ingestão freqüente de líquidos e apoio

psicológico pode ser necessário em muitos casos (7,8).

Transfusão

Terapia transfusional deve ser evitada no tratamento rotineiro de pacientes
com doenças falciformes e está contra-indicada na anemia assintomática, crises
dolorosas não complicadas, infecções que não comprometam a sobrevida ou
instalação de necroses assépticas, porque está demonstrada a ausência de eficácia

(9,10).

Dentre os efeitos adversos das transfusões podemos citar a

hiperviscosidade, sobrecarga de volume, reações hemolíticas, reações febris nãohemolíticas, reações alérgicas, reações hemolíticas retardadas, sobrecarga de

ferro, hepatite B e C, HIV ou infecção por outros agentes.

Como qualquer outro paciente, indivíduos com anemia falciforme podem

requerer transfusão para repor o volume sangüíneo por hemorragia ou seqüestro

esplênico ou aumentar a capacidade de carrear oxigênio, como nas exacerbações

da anemia . Em condições crônicas com anemia compensada como na s

hemoglobinopatias, níveis de hemoglobina de 5g/dl são bem tolerados e podese indicar transfusão apenas quando há falência cardíaca, dispnéia e disfunção

do sistema nervoso central.

As transfusões devem ser realizadas com hemácias fenotipadas (para se

evitar aloimunização), e depletadas de leucócitos, na forma de hemácias ou

filtradas.

Especificamente para as doenças falciformes, as indicações de transfusão

incluem ainda a melhora nas propriedades reológicas do sangue, diminuindo a

proporção de hemácias com HbS. Vários estudos demonstram que quando a

proporção de células contendo HbS excede 30 a 40%, a resistência ao fluxo

aumenta abruptamente. Por outro lado, o aumento do hematócrito leva ao

aumento da viscosidade sangüínea. Assim, transfusões simples podem promover

o aumento da viscosidade e oclusão vascular, impedindo o aumento da liberação

do oxigênio para os tecidos. Portanto, em várias situações pode ser necessária

exsanguíneo transfusão automatizada ou manual.

1) Indicações Específicas de Transfusão

a) Acidente Vascular Cerebral

Complicações neurológicas ocorrem em até 25% dos pacientes com

anemia falciforme. A recorrência deste evento é freqüente e acontece em cerca

de 50% deste pacientes, geralmente nos primeiros 3 anos após o AVC.

Entretanto, transfusões crônicas reduzem em até 90% a recorrência destes

episódios trombóticos. Estudos angiográficos demostram que há recuperação e

melhora do fluxo vascular nos pacientes que desenvolvem AVC e são submetidos

a exsanguíneo transfusão. Na vigência do AVC, o paciente deve ser internado e

iniciada exsanguíneo transfusão a fim de manter o paciente isovolêmico, nível

de hemoglobina em torno de 10g/dl e HbS menor do que 30%. Na fase aguda,

recomenda-se troca de 75 a 100 ml de sangue/kg de peso. Deste modo, hemácias

estocadas por menos que 5 dias podem ser reconstituída em salina ou plasma

para hematócrito de 28 a 30%. Os níveis de Hb S, hematócrito, cálcio, fósforo,

sódio, potássio e magnésio devem ser monitorados após a transfusão.

Após a fase aguda, pode-se iniciar programa de transfusão crônica para

manutenção da HbS abaixo de 30%, evitando-se hiperviscosidade ou transfusões

acima do necessário. Uma possibilidade é a realização de transfusões simples a

cada 3 ou 4 semanas.

Após 5 anos de terapia transfusional, pacientes com persistente obstrução

ou estenose, detectada por angiografia ou ressonância magnética, devem

continuar em programa de transfusão. Pacientes que apresentam franca melhora

ou completa correção da vasculopatia, documentada por arteriografia, podem

ter o programa interrompido. Aqueles pacientes que durante o programa não

apresentaram deterioração clínica ou laboratorial podem ter o programa

modificado a fim de manter a HbS em torno de 50%.


b) Síndrome Torácica Aguda

Exsanguíneo transfusão ou transfusões simples podem ser utilizadas na
síndrome torácica aguda, resultando em dramática melhora do quadro.

c) Anemia

Anemia não é indicação de transfusão porque ocorre adaptação com
aumento do 2,3 difosfoglicerato, melhor afinidade da hemoglobina pelooxigênio, melhor liberação do oxigênio para os tecidos e aumento do rendimento
cardíaco. Assim, a maioria dos pacientes com anemia falciforme toleram bem a
anemia. Pacientes mais velhos, com doença cardíaca ou insuficiência respiratória,
necessitam às vezes de níveis de hemoglobina superiores a 8g/dl. Formalmente
não há indicação de transfusão em pacientes assintomáticos com níveis de Hb
maiores que 5g/dl.

d) Crises Aplásticas

Estas crises são comuns, transitórias e muitas vezes não requerem
transfusão. Há indicação de transfusão apenas quando há comprometimento
da função cardíaca ou níveis de Hb inferiores a 4g/dl com reticulocitopenia.
Neste caso deve-se proceder à infusão de 1ml de hemácias/kg/h acompanhado
de diuréticos para prevenir falência cardíaca . Pode - se utilizar t ambém
exsanguíneo transfusão a fim de evitar perturbações no volume sangüíneo em
pacientes clinicamente instáveis.

e) Crises de Seqüestro Esplênico

Neste caso pode-se utilizar sangue total ou hemácias reconstituídas com
salina ou plasma. Muitos pacientes requerem esplenectomia para prevenir crises
recorrentes.

f ) Priapismo

Outra indicação de exsanguíneo transfusão parcial ou transfusão simples
são episódios de priapismo. Se a estase é parcial, as transfusões melhoram o
fluxo e previnem a obstrução;

g) Septicemia

Transfusões podem ser indicadas para pacientes em condições instáveis
ou choque, durante episódios de septicemia, com o objetivo de elevar a Hb
para níveis superiores a 10g/dl e HbS<30%.

h) Gestação

O uso de transfusões no último trimestre da gestação, com o objetivo de
obter níveis de Hb em torno de 10g/dl e HbS<30% é controvertido. Importante
e s tudo r e c ent ement e publ i c ado sug e r e que t r ans fus õ e s pr o f i l á t i c a s s ã o
desnecessárias na anemia falciforme. Entretanto, estão indicadas em gestações
de alto risco, história prévia de mortalidade perinatal, toxemia, septicemia,
anemia grave, síndrome torácica aguda.

1) Cirurgia

Não há estudos controlados neste tópico, entretanto, parece prudente
transfundir pacientes com anemia falciforme antes de cirurgias ou anestesia, no sentido de manter a HbS próximo de 30% e níveis de Hb em torno de 10g/
dl. Em crianças pode-se iniciar as transfusões 6 semanas antes da cirurgia
repetindo-as com intervalos de 2 semanas. Não há dados referentes a cirurgia
em indivíduos com Hemoglobinopatia SC ou outras doenças falciformes não
anêmicas, mas deve-se evitar hiperviscosidade e uso de transfusões simples.


Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anvisa/diagnostico.pdf

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