terça-feira, 12 de julho de 2011

TRIBUNAL DE JUSTIÇA JULGA A FAVOR DE PORTADOR DE ANEMIA FALCIFORME- VEJA!!!


Órgão Conselho Especial
Processo N. Mandado de Segurança
Impetrante(s) FULANO DE TAL (NAO COLOQUEI O NOME PARA PRESERVAR O IMPETRANTE)
Informante(s) PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Relator Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT
Acórdão


E M E N T A

MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – ANEMIA FALCIFORME – CANDIDATO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS – CITAÇÃO DOS OUTROS CANDIDATOS – DESNECESSIDADE – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NÃO CARACTERIZADO – RESERVA DE VAGA – INCLUSÃO NO BENEFÍCIO.
Desnecessária a citação dos demais candidatos do concurso, eis que o mandado de segurança, impetrado com a finalidade de obter reserva de vaga a portador de deficiência, se circunscreve, exclusivamente, à esfera de interesse do impetrante.
Embora possa parecer que o Decreto 3.298/99, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto 5.296/04, se refira apenas aos deficientes físicos com deformidades nos membros superiores e inferiores, na interpretação da norma, deve-se atentar para sua finalidade, que é assegurar aos portadores de necessidades especiais o pleno exercício de seus direitos básicos e inserção no mercado de trabalho. Justifica-se, portanto, a reserva de vagas aos portadores de anemia falciforme, que apresentam considerável redução na capacidade laborativa, de modo a oportunizar-lhes o ingresso no serviço público.

A C Ó R D Ã O - Acordam os Senhores Desembargadores do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SÉRGIO BITTENCOURT - Relator, J.J. COSTA CARVALHO - Vogal, VERA ANDRIGHI - Vogal, FLAVIO ROSTIROLA - Vogal, JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA - Vogal, SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal, GETULIO PINHEIRO - Vogal, ROMEU GONZAGA NEIVA - Vogal, MARIO MACHADO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador DÁCIO VIEIRA, em proferir a seguinte decisão: Preliminar rejeitada, e segurança concedida. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.Brasília (DF), 13 de janeiro de 2009 Certificado nº: 4435650A28/01/2009 - 16:28Desembargador SÉRGIO BITTENCOURTRelator

R E L A T Ó R I O

Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por FULANO DE TAL contra ato do Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, consistente no indeferimento de recurso administrativo interposto contra resultado de laudo da perícia médica que não o considerou deficiente físico para concorrer às vagas para formação de cadastro reserva nos cargos de analista judiciário e de técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Aduz, em síntese, ser portador de doença genética, conhecida como anemia falciforme, e que, apesar dos sintomas não serem aparentes, sofre de dores fortes, anemia hemolítica, infecções, dentre outros efeitos, os quais reduzem sua capacidade de se relacionar com o meio, comprometendo, também, sua atividade laborativa, motivo pelo qual decidiu concorrer no mencionado certame, às vagas destinadas aos portadores de deficiência. Alega, ainda, que prestou a prova objetiva do concurso, foi aprovado e convocado para a realização de perícia médica, sendo, contudo, reprovado no exame médico, pois seu caso não estaria enquadrado nas hipóteses dos Decretos 5.296/04 e 3.298/99. Argumenta que, embora sua doença não conste do rol dos mencionados decretos, seus efeitos diminuem sua capacidade laboral, devendo ser a lista considerada meramente exemplificativa. Sustenta, inclusive, possuir pronunciamento judicial nos autos do processo 00631-2007, junto à 3ª Vara do Trabalho de Brasília, em demanda contra a Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP, no qual assentou-se, em perícia, que “o candidato tem uma capacidade laborativa reduzida em aproximadamente 30% a 35%, de forma permanente, definitiva e irrecuperável”.
Requer a concessão de liminar “determinando lhe seja concedido o direito de ter seu nome na lista de classificação dos candidatos aprovados no certame para as vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais”. No mérito, pleiteia a confirmação da liminar e a concessão da segurança para “convocá-lo imediatamente para as demais fases do concurso”.
Os autos foram a mim redistribuídos, tendo em vista impedimento do e. Des. Lecir Manoel da Luz (fl. 108).
Deferi em parte a liminar para determinar à digna autoridade coatora a reserva de vaga ao impetrante, respeitada sua posição na lista de classificação (fls. 111/113).
As informações da digna autoridade indigitada coatora foram prestadas às fls. 116/121. Argui, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, uma vez que delegou ao Centro de Seleção e Promoção de Eventos – CESPE a realização do certame.
A União Federal insurgiu-se contra a concessão parcial da liminar (fls. 124/137), mas foi a mesma confirmada pelo Egrégio Conselho Especial desta Colenda Corte de Justiça, conforme acórdão de fls. 139/146.
Em Parecer de fls. 151/159, a douta Procuradoria de Justiça sustentou, em preliminar, a necessidade de ementa à inicial, a fim de que o impetrante promovesse a citação dos demais candidatos aprovados, portadores de necessidades especiais, na qualidade de litisconsortes passivos, tendo em vista que serão atingidos por eventual concessão da ordem. Posicionou-se contrária à preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela douta autoridade apontada como coatora. No mérito, pugnou pela concessão da segurança.
É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT - Relator

Presentes os demais pressupostos processuais e as condições da ação, admito o mandado de segurança.
O impetrante, portador de anemia falciforme, foi desclassificado pela perícia médica do concurso público em questão, onde concorreu a uma das vagas destinadas aos portadores de deficiência física, eis que sua doença não estaria enquadrada nas hipóteses previstas no art. 3º do Decreto 3.298/99, com alterações introduzidas pelo Decreto 5.296/04, consoante se verifica do laudo acostado por cópia à fl. 13.
Confira-se o que dispõe a referida norma:
(...)
Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (...)”

Embora a questão referente à inclusão da anemia falciforme como deficiência física, nos termos do Decreto 3.298/99, com alterações introduzidas pelo Decreto 5.296/04, para fins de reserva de cargos em concursos públicos destinados aos portadores desta moléstia, não tenha ainda sido discutida no âmbito deste Egrégio Tribunal de Justiça, entendo que o caso se assemelha a outros já decididos favoravelmente aos candidatos deficientes.
De fato, ao tratar, por exemplo, da visão monocular, este Egrégio Conselho Especial, de início, assim entendeu:
“Provado que a impetrante, posto que portadora de visão monocular, possui 20/20 da acuidade visual no melhor olho, nenhuma ilegalidade ou abuso de poder praticou a autoridade que a excluiu do certame por não se enquadrar nas hipóteses de deficiente visual, previstas no inciso III do art. 4º do Decreto nº 3.298/99, alterado pelo de nº 5.296/04” (MSG 2005.00.2.006538-9, Conselho Especial, Relator Des. Getúlio Pinheiro, in DJ de 28/3/06, pág. 90).
Não creio, entretanto, ser esta a posição mais consentânea com o espírito da norma. Com efeito, embora possa parecer que o Decreto 3.298/99, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto 5.296/04, se refira apenas aos deficientes visuais com pouca acuidade nos dois olhos, ao intérprete cabe atenuar os rigores da lei e atentar para sua finalidade que, no caso, é assegurar aos portadores de necessidades especiais o pleno exercício de sua cidadania mediante inserção digna no mercado de trabalho.
De igual maneira, ocorre com os portadores da anemia falciforme, que embora não esteja dentre o rol das moléstias consideradas como deficiências físicas no Decreto 3.298/99, provoca considerável redução da capacidade laborativa de seus portadores.
O impetrante juntou cópia da Reclamação Trabalhista 631/07, ajuizada por ele contra a Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP, na qual a Justiça do Trabalho reconheceu sua doença como deficiência física para fins de contratação por concurso público como empregado da reclamada (fls. 64/101).
Na referida reclamação, o perito judicial elaborou Laudo Técnico baseado em intensa perícia médica do impetrante
(fls. 74/101), onde concluiu que o impetrante é portador da anemia falciforme e têm redução na sua capacidade laborativa de 30% a 35%, verbis:
“A doença falciforme é uma hemoglobinopatia (doença da molécula da hemoglobina) com transmissão hereditária, causada por anormalidade na estrutura da hemoglobina dos glóbulos vermelhos do sangue. Esses glóbulos vermelhos perdem sua forma normal (discóide), enrijecem-se e deformam-se, tornando a forma de ‘foice’. Os glóbulos deformados, alongados,nem sempre conseguem passar através de pequenos vasos, bloqueando-os e impedindo a circulação normal do sangue nas áreas adjacentes.
(...)
A dor pode ser precipitada por frio, desidratação, infecção, estresse, menstruação ou consumo de álcool; todavia, a causa da maioria dos episódios não é definida. A dor afeta qualquer região do corpo, mais comumente as costas, o tórax, as extremidades e o abdome. A intensidade da dor varia desde insignificante a agonizante, sendo a sua duração geralmente de pouco dias. Embora os episódios dolorosos sejam provocados por vaso-oclusão, a dor é um estado constituído de componentes sensoriais, perceptuais, cognitivos e predispondo a uma existência que gira em torno da dor – dando origem a uma síndrome de dor debilitante crônica.
(...)
Considerando que a anemia falciforme reduz a expectativa de vida em comparação com a média da população geral:
ESTIMA-SE REDUÇÃO DE 30-35% DA CAPACIDADE LABORATIVA GLOBAL, DE FORMA PERMANENTE, DEFINITIVA E IRRECUPERÁVEL.
DESTAQUE-SE QUE O PERICIANDO ESTÁ TOTALMENTE E DEFINITIVAMENTE INCAPACITADO PARA QUALQUER FUNÇÃO QUE EXIJA AS CONDIÇÕES FÍSICAS SUPRACITADAS.”

De fato, se fosse levado em conta o que literalmente dispõe o inciso I do art. 4º, não se poderia considerar uma moléstia que reduz de 30% a 35% da capacidade laborativa como deficiência física para fins de ocupação de vagas destinados aos deficientes físicos. Entretanto, o que visa a norma é dar efetividade ao inciso VIII do art. 37 da Constituição Federal que proclama: “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.
Indispensável, portanto, uma análise mais aprofundada do tema, mesmo porque as clássicas técnicas de interpretação, as quais reduziam o juiz a um mero ventríloquo da lei, encontram-se hoje ultrapassadas diante da necessidade da “busca do sentido mais profundo das Constituições como instrumentos destinados a estabelecer a adequação rigorosa do Direito com a Sociedade” , nas palavras de Paulo Bonavides. Lembre-se que “interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. Pode-se procurar definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta, inclusive o silêncio” , conforme preciosa lição de saudoso ministro Carlos Maximiliano.
Os modernos métodos hermenêuticos buscam dar eficácia máxima aos preceitos constitucionais, entendendo a Constituição com uma unidade de sentido, e o preenchimento desse sentido o seu princípio regulativo, como ensinou Rudolf Smend, em relação ao método de interpretação integrativo ou científico-espiritual.
Como também lembrado pelo renomado filósofo alemão, “o intérprete constitucional deve prender-se sempre à realidade da vida, à concretude da existência, compreendida esta sobretudo pelo que tem de espiritual, enquanto processo unitário e renovador da própria realidade, submetida à lei de sua integração”.
De fato, espera-se haver uma integração dos princípios constitucionais na mesma medida que há uma unidade na atuação do Estado nas suas três principais esferas de competência, Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário, para conferir, diariamente, grau máximo de eficácia à Constituição Federal.
Não se trata, portanto, de estender o texto legal a hipóteses não desejadas pelo legislador, mas conferir-lhe a real importância diante do ordenamento jurídico como um todo, isto é, segundo os princípios insculpidos na Constituição Federal.
Embora a problemática em questão seja inédita em relação à reserva de vagas em concursos públicos para os portadores de anemia falciforme, os Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo já concederam a isenção de transporte público aos portadores da moléstia em questão, mesmo diante da ausência de previsão legal para tanto, por considerar a enfermidade como deficiência física, conforme se verifica nos seguintes precedentes:
“AGRAVO LEGAL CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE NEGOU SEGUIMENTO A APELAÇÃO CÍVEL. PORTADORA DE ENFERMIDADE ANEMIA FALCIFORME, NECESSITANDO DO FORNECIMENTO DO PASSE LIVRE PARA TRANSPORTE, A FIM DE SE SUBMETER A TRATAMENTO MÉDICO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, AO ARGUMENTO DE QUE A LEI MUNICIPAL 3167/2000, INSTITUIDORA DO BENEFÍCIO, FOI DECLARADA INCONSTITUCIONAL POR ESTA EGRÉGIA CORTE. A Lei Municipal e o Decreto 19.936/2001 não especificam as enfermidades que garantem o passe livre, não cabendo ao intérprete restringir sua aplicação. Além disso, não houve sequer o trânsito em julgado quanto à decisão de inconstitucionalidade nº41/2006. Trata-se de controle abstrato de constitucionalidade de norma municipal em face da carta estadual, não obstando a concessão do benefício com base nos direitos à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana, que encontram assento na Constituição Federal. O estado de saúde da autora é grave e o deslocamento imprescindível ao tratamento. procedência do pedido que se impõe honorários advocatícios bem arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), observados os critérios legais (Art. 20, § 4º, CPC). Recurso desprovido.” (TJRJ, 18ª Câmara Cível, APC 2007.001.67252, Rel. Des. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/02/2008). (Grifei)

“AÇÃO ORDINÁRIA. Autora portadora de diversas enfermidades. Isenção de tarifa de transporte público. Cabimento. Recurso de Apelação e Remessa de Ofício Improvidos.” (TJSP, 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, APC 591442.5/1, Rel. Des. Gama Pelegrini, julgado em 4/3/2008).
De igual forma, em relação à interpretação conforme a finalidade da norma, nos casos de inclusão da visão monocular como deficiência física para fins de concorrência pública nas vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais, o Poder Judiciário brasileiro já vem, há muito, manifestando-se favoravelmente à questão. Nesse sentido, remansosa a jurisprudência de nossos tribunais, conforme se pode verificar dos seguintes precedentes: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, APC 2007.001.67580, Relator Des. Marco Antonio Ibrahim, 20ª Câmara Cível, julgado em 02/4/2008; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, APC 70021648214, Relator Des. Paulo de Tarso Viera Sanseverino, 3ª Câmara Cível, DJ 03/12/07; Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no MS 1.0000.08.469078-3/000, Relator Des. Célio César Paduani, Corte Superior, DJ 02/07/08.
A jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça também passou a adotar o mesmo entendimento, considerando possível a configuração da visão monocular como deficiência física para fins de concorrência pública para as vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais. Confiram-se, a propósito, os seguintes arestos:
“MANDADO DE SEGURANÇA - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA -VISÃO MONOCULAR - RESERVA DE VAGA - INCLUSÃO NO BENEFÍCIO.
Autoridade coatora é a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, desde que tenha competência para corrigir a ilegalidade, além de cumprir, sendo o caso, o mandamento decretado na liminar ou na sentença final proferida em mandado de segurança. Correta, pois, a inclusão da Secretária de Gestão Administrativa no pólo passivo do mandamus se foi ela uma das subscritoras do ato impugnado.
Não há que se falar em fase de produção de provas em mandado de segurança, eis que tal remédio, ex vi do inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal, é medida protetiva de direito líquido e certo, violado por ilegalidade ou abuso de poder da autoridade indicada, sendo dever do impetrante instruir a inicial com os documentos necessários à comprovação do alegado.
O inciso III do art. 4º do Decreto 3.298/99, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto 5.296/04, refere-se aos deficientes visuais que possuem acuidade visual nos dois olhos, por menor que seja, não tratando daqueles com visão monocular, ou seja, os cegos de um olho só.
Na interpretação da norma legal, contudo, deve-se atentar para a finalidade da mesma, que é assegurar aos portadores de deficiência física o pleno exercício de seus direitos básicos, aí incluído o direito ao trabalho. Por isso, reservam-se vagas aos mesmos, de modo que possam ingressar no serviço público, nada obstante as barreiras que enfrentam no mercado de trabalho.
A visão limitada a apenas um olho implica barreiras físicas e psicológicas durante toda a vida do deficiente, tornando difícil seu ingresso no mercado de trabalho, situação que certamente há de ser compensada pelo benefício de reserva de vagas. Esta a conclusão que se pode chegar de uma leitura atenta dos conceitos estabelecidos nos incisos I e II do art. 3º do Decreto em questão.” (MSG 2006.00.2.0039587, Relator Des. SÉRGIO BITTENCOURT, Conselho Especial, julgado em 17/7/07, DJ 06/3/08, p. 31) (Grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL - MANDADO DE SEGURANÇA - UNIÃO - LIMINAR DEFERIDA - VISÃO MONOCULAR - PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS.
1 - A União, de acordo com jurisprudência predominante, tem legitimidade para interpor agravo regimental na hipótese de mandado de segurança cuja autoridade coatora é o Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
2 - Cabível a concessão de liminar, na hipótese de concurso público, quando o candidato possui visão monocular, enquadrando-se como portador de necessidades especiais.
3 - Recurso conhecido e não provido.” (MSG 2008.00.2.0063415, Relatora Des. HAYDEVALDA SAMPAIO, Conselho Especial, julgado em 17/6/08, DJ 26/6/08, p. 16)

“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA PARA PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. VISÃO MONOCULAR. LIMINAR DEFERIDA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
- Fundamentando-se o deferimento da liminar na presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, o primeiro consubstanciado na interpretação jurisprudencial da legislação de regência e na finalidade da norma, e o segundo, em face da iminência da declaração da vacância do cargo e do subseqüente preenchimento da vaga por outro candidato aprovado no concurso público, é de ser mantida a decisão preliminar. - Recurso improvido. Unânime.” (MSG 2008.00.2.0065554, Relator Des. OTÁVIO AUGUSTO, Conselho Especial, julgado em 10/6/08, DJ 02/7/08, p. 61)
Os Tribunais Superiores, de igual forma, têm consagrado esse pensamento, conforme demonstram os seguintes precedentes da Colenda Corte Superior de Justiça: AgRg no MS 13.311/DF, Relator Min. Felix Fischer, 3ª Seção, DJ de 08/5/08; RMS 22.489/DF, Relatora Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 18/12/06; RMS 19.291/PA, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 30/10/06; AgRg no RMS 26.105/PE, Relator Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 30/05/08.
De fato, também para o caso da anemia falciforme, deve-se atentar para a finalidade da norma, que é assegurar aos portadores de deficiência física o pleno exercício de seus direitos básicos, aí incluído o direito ao trabalho. Por isso, reservam-se-lhes as vagas, de modo que possam ingressar no serviço público, nada obstante as barreiras que enfrentam no dia-a-dia.
Trata-se, na verdade, de garantir a eficácia de um direito expressamente assegurado no art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal , devendo, portanto, a interpretação da norma jurídica ater-se à sua finalidade primordial e não a meros formalismos.
Não é demais lembrar, outra vez, a figura ímpar do Min. Carlos Maximiliano que assim escreveu sobre o papel da eqüidade na hermenêutica e na aplicação do direito:
“Desempenha a Eqüidade o duplo papel de suprir as lacunas dos repositórios de normas, e auxiliar a obter o sentido e alcance das disposições legais. Serve, portanto, à Hermenêutica e à Aplicação do Direito.
(...)
A frase – summus jus, summa injuria – encerra o conceito de Eqüidade. A admissão desta, que o justo melhor, diverso do justo legal e corretivo do mesmo, parecia aos gregos meio hábil para abrandar e polir a idéia até então áspera do Direito; nesse sentido também ela abriu brecha no granito do antigo romanismo, humanizando-o cada vez mais. ‘Fora do aequum há somente o rigor juris, o jus durum, sumum, callidum, a angustissima formula e a summa crux. A aequitas é jus benignum, temperatum, naturalis justitia, ratio humanitatis –‘ fora da eqüidade há somente o rigor de Direito, o Direito duro, excessivo, maldoso, a fórmula estreitíssima, a mais alta cruz. A eqüidade é o Direito benigno, moderado, a justiça natural, a razão humana (isto é, inclinada à benevolência).
Ante o exposto, concedo a ordem buscada no presente mandamus para assegurar ao impetrante o direito a uma das vagas destinadas aos portadores de deficiência física, observada sua classificação.
Sem honorários.
É como voto.

O Senhor Desembargador J.J. COSTA CARVALHO - Vogal

Com o Relator

A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA - Vogal

Senhor Presidente, considerando que o laudo é conclusivo no sentido de que realmente está impossibilitado laborativamente e parcialmente por deficiência, acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador GETULIO PINHEIRO - Vogal

Senhor Presidente, ressalvado o entendimento esposado em outro mandado de segurança, em sentido contrário, acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal

Com o Relator


D E C I S Ã O

Preliminar rejeitada, e segurança concedida. Unânime.

2 comentários:

ZITA disse...

PRECISO DE RESPOSTA DOS NOSSOS SUPERIORES,E ACREDITO QUE ELES DARAO A NOS ESSA RESPOSTA

Anônimo disse...

Muito bom vê uma pessoa enxergar luz no fim do túnel, lutar por um direito que esta estampado intimamente na pelé, no corpo, na molécula do sangue e conseguir uma decisão tão maravilhosa como essa por pessoas que sequer tinham conhecimento da doença.

Parabéns ao impetrante da ação.